quarta-feira, 29 de junho de 2011

Cansado


Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto –
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo…
E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente: eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa. 

Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), 24/06/1935

um grande, um profundo, cansaço

O que há em mim é sobretudo cansaço – 
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada –
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas –
Essas e o que falta nelas eternamente –;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah! com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo, Cansaço…


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa), 09/10/1934

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ela chegou!

Saiu de olhos arregalados da sala de cirurgia! Fitando o papai! Quase sorrindo pelo olhar!

Primeiro colinho!

O Lucas mandou muitos beijos! Ficou encantado vendo a irmã!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

an old hope

Queria que vocês crescessem em um mundo diferente. Se já não tenho forças pra mudar, espero que vocês tenham. Se não me lembro mais como se faz, espero que aprendam e nunca se esqueçam.  

Barbas brancas

Os cabelos brancos, a calvície que chega aos poucos, as rugas nunca antes vistas, a barba começando a ficar grisalha. A fortaleza que persiste apesar da incapacidade de domar o tempo. A mesma preocupação de sempre com as crias, o mesmo desapego em função de quem se ama, a mesma alegria, que marcada por experiências também tristes, persiste no olhar de aprovação e de torcida. Uma pequena conquista daquele pequeno, e hoje grande homem barbado, é recebida como se fosse a primeira. Não precisa nem ser nova, não precisa nem ser única, a aprovação sempre está nos seus calmos, profundos e molhados olhos verde-alaranjados. Caminho, com uma adiantada nostalgia, porque sei que o destino me espera da mesma forma. Há mais de onze anos penso se a reação dela não seria a mesma dele. Como seria o olhar, qual seriam as palavras? Riríamos e choraríamos em quatro, como antes? Abraçados em círculo na sala olhando os olhos uns dos outros e sentindo o mesmo calor? Com certeza ela teria reações muito parecidas de seu velho e fiel companheiro. Antes parecia que envelhecíamos e nada mudava. A alegria e a inocência da infância, a vontade e ambição da juventude, foram ingredientes que não deixaram ver o tempo passar. Hoje, quando pára e olho, me dou conta das minhas próprias barbas brancas, do meu cabelo já ficando escasso, das minhas rugas e de marcas que minha pele antes não conhecia. Amanhã sei que a força não será a mesma, tampouco a disposição. Meu filho, que cresce a cada dia, ficará grande. Minha menina, que hoje está quase nascendo, andará com suas próprias pernas. Mas o avô deles me ensinou que cada conquista é única, por menor ou repetida que seja. Mostrou a importância de estar por perto sempre que precisarem, mesmo que isso signifique ficar longe. E a avó, me mostrou que é importante que eles saibam que tudo podem e tudo conseguem, desde que não tenham que atropelar ninguém. Basta ter muita força de vontade e persistência. O mundo é dos fortes, não dos tolos. Mas o mundo é também dos bons. O tempo mostra isso, assim como eles, juntos, mostraram que a família vem antes de tudo e que o amor e a união são as melhores armas e armaduras para qualquer ocasião.