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sexta-feira, 24 de junho de 2016

Qual você escolhe?



Esses dias têm me feito pensar. 
Pensar muito.
Tempos de intolerância.
Tempos de construir muros.
Individualidade exacerbada.
Egoísmo maldoso.
Dias onde o meu é mais importante que o nosso.
O Reino Unido decide que não quer mais refugiados e o mundo aplaude.
Se isolar é ser globalizado.
Globalizar é canibalizar. 
Discursos fascitas são considerados éticos.
Extrema direita. 
Extrema esquerda.
E o diálogo? Dialogar pra quê!? Ninguém quer ouvir.
Todo mundo fala. Todos têm razão.
A morte foi banalizada. E a vida também.
O estupro virou piada. 
Coronéis, reis, ditadores. Tudo em nome da moral.
Democracia alijada. 
Minorias? Que minorias? 
Existe minoria?
E a maioria?
Ah! Essa está alienada. Imbecilizada. Enraivecida. 
Não existe minoria quando o umbigo é mais importante.
Crianças morrem na praia e a gente pisoteia. 
Dói. Parece que não queria ter crescido em um mundo que iria se tornar isso.
Ou será que sempre foi assim e eu não enxergava?
Já fui mais otimista
Esses dias têm me feito pensar muito. 
E tenho tido medo das minhas conclusões.
Tenho receio das minhas divagações. 
Receio porque elas podem ser reais.
Elas estão sendo reais... 
Pensar...
Medo... 
Dá medo.
Tenho medo.
Qual pílula você escolhe? 
A vermelha ou a azul?
Pode dormir para sempre, se recolhendo em seus sonhos solitários.
Ou pode abrir os olhos e ver como tudo é de fato.
Pode tentar mudar.
Mudar dá medo. 
Mas dá mais medo deixar tudo como está. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

quarta-feira, 24 de julho de 2013

peixe preso no vento...




Yo no soy sino la red vacía que adelanta
ojos humanos, muertos en aquellas tinieblas,
dedos acostumbrados al triangulo, medidas
de un tímido hemisferio de naranja.

Anduve como vosotros escarbando

la estrella interminable,
y en mi red, en la noche, me desperté desnudo,
única presa, pez encerrado en el viento.

Pablo Neruda

(trecho de Los Enigmas, em Canto General, 1950)





Depois de pensar, adiantar, buscar entender, escavar a estrela interminável, não resta nada além de acordar preso no vento. Sem respostas, despido, desprovido de qualquer entendimento. 

.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

nem tão bom assim

O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo, pois cada um pensa estar tão bem provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. 
(Descartes, O Discurso do Método, 1637).

Assim começa o Discurso do Método. Mas será mesmo? 
Meu bom senso não é tão bom, nem tão equilibrado assim. Ou é? Deveria ser?
Li o livro e não tenho respostas pra quase porra nenhuma. Ou tenho e não queria ter?
Sócrates me diria: Amigo, saiba que nada sabes!
Deve ser assim. 
Comigo é! Mas nem sempre. 
Tem hora que a gente sabe, só não entende. Ou sabe e não faz. 
Tem hora que a gente faz sem saber. E continua sem entender. 
Na maioria das vezes, nem um, nem outro. 
O certo é que não tem certo e que o bom senso nem sempre é bom.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

e lá se vai mais um mês...

Último dia de um longo mês. 
Pareceu curto, pareceu longo, mas foram apenas mais trinta e um dias, agora quase todos passados. 
Novembro chega para renovar as angustias, sonhar as mudanças, mas principalmente para concretizar positivamente as ações. 
Novembro chega cansado, mas firme e confiante. 
Novembro chega e daqui a pouco também estará indo.
Abrindo espaço para o bom velhinho que virá saborear as guloseimas que serão deixadas na mesa depois da ceia. 
Vamos ver o que ele vai colocar no sapatinho que ficará pendurado na sacada. 
Ano após ano ele tem me surpreendido. Sempre trazendo coisa boa.
E não será diferente nesse ano.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

fake plastic trees


Fui parabenizado, em tom meio irônico, por ser transparente e dar minha cara a tapa. Tudo porque não escondo minhas preferências políticas. Não é assim com futebol? Por que ser diferente com política, religião, crenças, credos, ideologias? Prefiro assim. Melhor que se omitir por medo ou ficar em cima do muro. Melhor colocar as ideias abertamente do que falar no escuro tentando se esquivar das pancadas. 
Pois é! O mais curioso é que o comentário veio de um fake. Cada vez mais entendo menos as pessoas. 

quarta-feira, 4 de abril de 2012

dúvidas gigantes

Alguma vez você já sentiu vontade de rasgar seu diploma? Hoje senti. Não um, mas três deles. Doutorado pra que se as questões mais fundamentais, relacionadas com as pessoas que mais amo, não são resolvidas conforme dita a teoria. Fórmulas, poesias, artigos. De nada me serviram. O homem é uma incógnita desde quando nasce. Seus medos, suas dúvidas, suas inseguranças se manifestam desde a mais tenra infância. Faça uma pergunta sobre um mesmo problema para pessoas diferentes e terá respostas diferentes e subjetivas. Alguns diriam que a pluraridade é que torna tudo mais belo. Muitas vezes se esquecem de que ser plural é ser inseguro. Ter soluções diferentes para um mesmo problema não é nada confortável. Um peso, dez medidas, uma quase resposta que não ser serve pra nada. E quando é assim, fazer o quê? Escolher qual caminho? O caminho do coração, talvez. Mas para escolher o caminho do coração não era preciso estudar. A sabedoria a gente não aprende, a gente conquista. O conhecimento a gente absorve, rumina, deleita, aceita, ignora, goza, despreza, esquece. Muitas vezes a gente usa. Mas nem sempre serve. Nem sempre é útil. Acumulei papéis, acumulei leituras, acumulo vontade de descobrir, mas as dúvidas de hoje são maiores. Mais densas. Elas paralisam. Sou pequeno e estou fraco perto delas. Newton que me perdoe pelo quase trocadilho infame, mas se não enxergo mais longe é porque estou atrás das dúvidas que são gigantes. 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

escolhas

Em cada escolha arriscas a vida que poderias ter; em cada decisão, perdê-la!
Richard Bach


Escolher é difícil. É sinal de novidade e mudanças, mas também deixa marcas doloridas da perda daquilo que poderia ter sido. Poderia ter sido e não foi. Se existem escolhas, algo sempre ficará pra trás na bifurcação da decisão. 

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

angustias compartilhadas

NOS DERAM ESPELHOS E VIMOS UM MUNDO DOENTE



Verso de Renato, cartoons de Quino, divagações e angustias de Estéfano.

devagar, devagarinho


Devagar é rápido demais para alguns. A morosidade é a regra. Se gerar desconforto, melhor.
Ou eu não entendo nada de convívio social ou o meio onde cresci e no qual aprendi foi um conto de ficção.
Renato diria que nos deram um espelho e vimos um mundo doente. Deve ser o vírus da falsidade o grande responsável pela degradação da espécie humana.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ignorare

Tudo parece mais fácil quando se desconhece. As opiniões podem ser emitidas sem qualquer vínculo com o correto, com a ética ou a moral. A responsabilidade é menor, ou em alguns casos, inexiste. Culpar os outros fica mais fácil. Não é preciso pensar muito e desta forma, não há necessidade em se preocupar com os sentimentos ou a opinião do próximo. Falar por falar vira regra e ferir o próximo, física ou moralmente, não acontece por vontade, mas sim por acaso.
Não estou sendo crítico, só quero proferir um diagnóstico.
Ignorare plus est quam errare.
Essa sentença, dependendo da forma como é interpretada, isenta de culpa aquela que ignora.
Ignorare, no sentido literal, de não conhecer.
Isso pode diminuir minha cólera, ou aumentar minha angústia diante de certos fatos.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O curso do rio

Ontem recebi um recado importante. Foi-me dito algo mais ou menos assim: Seja como o rio, que desce montanhas fazendo curvas até atingir seu objetivo. O rio não sabe subir montanhas e não se preocupa com isso, apenas busca o seu destino.
Como não podia ser diferente, essas palavras fizeram com que eu praticasse meu esporte favorito: pensar.
A mensagem me fez entender fatos de extrema importância. Fatos que talvez nunca tivesse analisado por esse prisma.
O rio não tenta subir a montanha simplesmente porque sabe que essa não é a sua natureza. Não luta contra isso, mas tampouco se acomoda. Suas águas sempre correm leito abaixo não por ser mais fácil, mas porque isso faz parte de sua índole, dos seus objetivos. O rio não é passivo porque aprendeu a correr desde jovem, ainda na sua nascente, marcando presença nas terras por onde passou. É forte e sabido. O curso da sua correnteza deixa marcas profundas, quase eternas, no relevo que desbrava. É inteligente, pois sempre soube superar obstáculos, ora transpondo-os, ora achando a melhor forma de contorná-los, sem nunca se esquecer de qual era o seu destino, correndo sempre para o oceano. O rio nunca pensou em não ser rio, mas também não se privou de aprender a correr melhor.
Obrigado pelas palavras. Agora sei que muitas vezes me falta ser rio. 

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O que é a vida?

Foi com esta pergunta que Abujamra fechou o Provocações de ontem, entrevistando o autor de telenovelas Lauro César Muniz.
Fiquei pensativo e não achei resposta. Olhando para o nada como querendo entender, mas sem nada na cabeça para pensar. 
Escrevo sem nada a comentar. Apenas para compartilhar e deixar em aberto para quem quiser arriscar uma resposta nos comentários. 
Eu ainda não tenho a minha. 
O que é a vida?
...

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Salve, salve a DEMOCRACIA

Hoje, ouvindo a rádio e o noticiário local, me atentei para uma declaração de um professor de ciências políticas que me fez refletir e tirar o chapéu. Era algo mais ou menos assim: Enquanto houver Tiririca, haverá democracia!
Essa frase ganhou meu respeito imediatamente.
Pelo menos algo bom para se entender desse desastre que andam chamando de fenômeno. Admiro e respeito decisões democráticas. Abomino o autoritarismo e tentativas de restringir a liberdade de expressão e de manifestação de todo e qualquer tipo de crença, gosto, credo ou seja lá qual for a particularidade. 
Só continuo achando que a manifestação popular poderia ter escolhido outra forma de protesto. Se é que essa expressiva votação pode ser chamada de protesto e não só de alienação. Digo isso, porque vi também pela TV, hoje de manhã, que muitos votaram no palhaço pois o acham engraçado. 
Não venho apontar culpados para a situação ter chegado a tal ponto da seriedade ter virado motivo de gozação. Tampouco sou o mais indicado para direcionar essa discussão. Apenas externalizo minha opinião.
Apenas passei por aqui para celebrar algo que está se consolidando cada vez mais em nosso país. E isso é um bom sinal. 
Salve, salve a democracia. 


(Perdoem-me pela desatenção, mas não guardei o nome do professor que mencionei. Mas reportagem foi da equipe de jornalismo da Nova Onda FM/Mogi Guaçu/SP).

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Ser ou Estar

Eu sou nervoso ou estou nervoso?
Você é deprimente ou está deprimido?
Nós somos folgados ou estamos cansados?
Hoje estou puto por conta de pessoas que não respeitam o ponto de vista dos outros. Gente intransigente, que lança mão de argumentos esdrúxulos, faz com que meu olho, que é puxado, esteja agora latejante.
O bom da nossa língua é essa variedade que ela permite. O ser e o estar, primos do famoso to be, cá pelas nossas bandas, podem ser usados para exprimir idéia daquilo que é intrínseco ou para expressar condição e estado.
Melhor aproveitar a situação para escrever isso do que para realmente falar o que estou sentindo. É bem mais ameno e, tirando meu estômago e meus olhos, não machuca mais ninguém.

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Herdeiros são agora da virtude que perdemos

Ontem, em um churrasco entre amigos, conversando sobre tudo, a prosa tomou rumos eleitorais. Como não pode deixar de ser entre pessoas que se preocupam com o futuro. 
É duro constatar que essa não é a realidade de todos, tampouco de muitos. A maioria se diverte, sem o mínimo de repúdio, com a barbárie instalada em nossa campanha política.
A banalidade que tomou conta do horário gratuito, mancha nossa dignidade e fere nossa reputação. Nos chamam de imbecis sem nenhum pudor. A mínima inteligência não é respeitada. 
Confundem futebol, circo, pornografia e estrelato, com algo que deveria ser o assunto mais sério desse período do ano. 
Amigos, estou tomado de profundo amargor. Não poderia ser diferente ao ver e ouvir figuras caricatas tentando piorar o que está ruim. Não se iludam, pior do que está, fica sim!
E não me venha dizer que não gosta de política. Nossa vida é política, nossas relações são políticas. Existem outras formas de protesto que vão além de aceitar a condição imposta de espectadores de um picadeiro bizarro. A nossa chance é agora. Daqui alguns dias estaremos votando. Pensa, reflita e vote com carinho, com o coração. Mas principalmente vote com consciência e não se deixe iludir. 
É triste ver compatriotas pensando que a situação instaurada é normal. 
Como sempre, não tem como não pensar no Lucas e em todos que agora crescem. O futuro deles é nossa responsabilidade. E estamos sendo responsáveis?
O que estamos deixando para nossas crianças? Por enquanto algo como um mundo sem virtudes, com padrões de ética e de moral tão alheios à minha capacidade de entendimento quanto um texto escrito em aramaico culto. Dizem que são novos valores para uma nova sociedade. Digo que é a banalização dos valores graças a novos discernimentos comprometidos.
Queria que fosse diferente. Muitos de vocês também queriam. 
Me aborrece porque da forma como está tenho quase certeza que eu não sou daqui.

Tabacaria


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,


Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.


Álvaro de Campos (Fernando Pessoa, 1888-1935)


Hoje eu tô meio Álvaro de Campos.
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!


Quem é que nunca esteve?!?
Não sei bem como estou, ou exatamente o que sou, mas sei que tenho em mim todos os sonhos do mundo.

sábado, 18 de setembro de 2010

Eu fico com a pureza da resposta das crianças

O que essa imagem te faz sentir?
Pra mim, me lembra de épocas de infância, quando deitava no chão com meu pai e minha irmã para ver estrelas cadentes. Ou de tempos ainda mais distantes, quando minha mãe ainda estava por aqui e quando noites de eclipse eram acontecimentos importantes. Desculpas para passarmos a noite no quintal olhando a lua sumir. Aprendi a admirar o brilho das estrelas ainda em casa, desde cedo. Meus pais gostavam disso. Minha irmã também.
Depois a gente cresce. Vira adulto e quando encontra uma foto dessas percebe que o encanto não é mais o mesmo, porque os entendidos estragaram tudo ao me dizer que estrelas não caem. Tá certo que a faculdade me ajudou a atender que isso é apenas um ponto de vista, afinal, tudo está caindo. Mas não dá forma como pensava quando garoto. Os rabiscos no céu noturno estrelado são hoje objetos que adentram nossa atmosfera.
Percebe como as coisas mudam? A pureza infantil, pouco a pouco abre espaço para o lógico e o científico. Não que isso seja ruim, apenas que não faz o mesmo efeito. 
Quando criança me bastava o encanto de olhar o céu. 
Hoje eu entendo porque meus pais faziam isso. Não tem nada mais puro e belo que o olhar de assombro de um filho descobrindo o novo.
Hoje eu sei da beleza de olhinhos reluzentes olhando para o desconhecido. 
Tudo me faz lembrar do Lucas. E experiências antigas, fortes e marcantes, têm seus significados revividos


É a vida, é bonita e é bonita!